Investimento em ferrovias – Questões financeiras
- Admin Canal PPP

- 6 de fev. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 11 de jun. de 2019
por: Dan George Buescu
DG Buescu Consultoria Empresarial
O presente artigo se propõe a fazer reflexões e considerações em relação a investimentos em novas ferrovias, enfocando somente questões financeiras, observando, contudo, e muito importante ressalvar, que o cenário completo de implicações que impactam a questão é muito mais abrangente e complexo.
Dada à limitada capacidade de o poder público fazer frente à enorme necessidade de investimentos em infraestrutura, que deveria ser, minimamente, no entorno de 4% do PIB, o concurso de capitais estrangeiros é desejável e necessário. A atração de capitais externos apresenta muitos desafios, e exige uma serie de ajustes nas disposições, regras e normas, para que de fato se verifique. Pode-se citar: indisponibilidade de editais e informações em inglês, proibição de empresas estrangeiras como líderes de consórcios, não aceitação de affidavits para a qualificação em licitações, entre outros. A modelagem dos contratos e a garantia do cumprimento do que foi pactuado, através de mecanismos de controle, assim como a alocação de riscos, são questões de suma importância para trazer mais segurança jurídica ao investidor.
A modelagem financeira desempenha um dos papeis críticos para a segurança do investidor estrangeiro e, portanto, na atração de capitais, garantindo que a SPE não terá problemas. O modelo financeiro deve ser estruturado de forma a ser abrangente e flexível, deve permitir ser expandido, bem documentado em suas premissas, e de fácil entendimento por outras partes interessadas, particularmente aos provedores do debt financing (lenders), dado que o modelo, a ser desenvolvido pela SPE, deve ser um instrumento para ser compartilhado, a seu momento adequado, com total transparência, nas negociações com os lenders, de modo a se chegar ao “fechamento” financeiro do projeto (financial close), observando que não é raro os lenders desenvolverem seu próprio modelo como comparação. Muito importante a se destacar, é que a estruturação do modelo deverá contemplar e respeitar as regras e disposições já definidas em eventuais acordos e contratos estabelecidos pela SPE.
Os primeiros inputs são as variáveis macroeconômicas, e suas projeções: inflação, taxa de juros, a taxa de cambio, e o crescimento do PIB. A modelagem deve se feita em moeda nominal, em outras palavras, considerar a inflação e não trabalhar em moeda constante (pese os editais indiquem moeda constante), caso contrario, os resultados obtidos não irão espelhar a verdadeira situação financeira da SPE: o retorno do investimento, e permitir o correto equacionamento do pagamento do serviço da dívida. Na linha temporal do projeto, o modelo deve ser elaborado mês a mês, para os primeiros 5 anos.
Em seguida, CapEx com seu cronograma, e receitas e custos operacionais – OpEx, ambos considerando os pressupostos macroeconômicos – inflação, crescimento do PIB, projeção de demanda e tarifas, entre outros.
O modelo deve contemplar a constituição de reservas, sendo as mais importantes a DSRA, e a MRA – Debt Service Reserve Account e a Maintenance Reserve Account. A DSRA tem a função de garantir o cumprimento de um determinado número de pagamentos das obrigações do serviço da dívida da SPE, enquanto que a MRA tem a finalidade de garantir que a operação do projeto se dê com a qualidade de serviços esperada e ao nível do custo estimado, além de servir para cobrir os custos a serem incorridos em manutenção de maior envergadura.
O modelo chega ao CADS – Cash Available for Debt Service, disponibilidade para os pagamentos aos lenders (empréstimos e/ou títulos). Definido o CADS, o modelo deve se basear em Term Sheets (documentos que estabelecem os termos e condições tanto para empréstimos, como para títulos), estando preparado de modo a permitir o “desenho” adequado para os pagamentos do serviço da dívida aos lenders (Debt Sculpting), e também o Cash Sweep (operação para abater o saldo devedor). O modelo deve manter índices de cobertura da dívida, pactuados com os lenders: ADSCR (Average Debt Service Coverage Ratio), geralmente no entorno de 1,2, a cada período no tempo, e o LLCR (Loan Life Coverage Ratio), este superior a 10%- 20% do ADSCR.
As Term Sheets em conjunto com Cartas de Interesse de parte dos lenders e dos bancos colocadores dos títulos, servem para sinalizar, minimamente, que a SPE irá obter o debt financing nos termos adotados na modelagem, A exigência de se ter previamente compromissos firmes implica em pesado ônus financeiro ao licitante, além de exigir uma dilação do prazo entre o edital e a apresentação das propostas.
O CADS é diminuído dos pagamentos do serviço da dívida, e em seguida dos impostos. O resultado final é a rentabilidade do projeto, porém não é o retorno ao investidor, posto que ele é auferido na forma de distribuição de dividendos, e pode haver uma restrição de parte dos lenders à sua distribuição, com o propósito de manter a robustez financeira da SPE.
Cumpre destacar que o papel precípuo e primeiro da modelagem financeira não é determinar a rentabilidade do projeto, mas garantir que o serviço da dívida esteja equacionado de maneira sólida, de modo que seja honrado. A rentabilidade e o retorno ao investidor serão resultantes naturais do modelo, e este irá determinar, ao seu final, se o projeto satisfaz a taxa exigida pelo investidor (hurdle rate).
Projetos greenfield de ferrovias envolvem um alto investimento. O grande desafio é o financiamento da construção, pelos riscos inerentes a esta fase. A se observar que o BNDES evita tomar esses riscos.
À parte, BNDES e Banco Mundial, os recursos para o debt financing seriam obtidos através de: operações de empréstimos por um pool de bancos comerciais (syndicated loans), e/ou emissão de project bonds, instrumento de crescente tendência mundial. Syndicated loans podem ser feitos também no âmbito doméstico, sendo para isso necessário analisar as implicações dessas operações para os bancos de modo a respeitarem o acordo de Basileia III. Project bonds emitidos pela SPE serão Eurobonds, dado que serão emitidos em outra moeda, e aquela de maior apetite dos investidores. Podem, inclusive, serem emitidos em duas moedas – uma para os juros e outra para o principal, ampliando as possibilidades de estruturação financeira. Na sua essência, project bonds são similares a debêntures.
Operações de syndicated loans são mais flexíveis que os project bonds, permitindo uma melhor adequação aos fluxos financeiros da SPE. Project bonds têm sua remuneração estreitamente ligada aos resultados financeiros do projeto. A sua utilização está mais voltada para a fase de operação (pós COD - Commercial Operation Date), i.e., projetos brownfield, dada a aversão ao risco de construção de parte dos tomadores desse tipo de título, e podem ter prazo de maturidade de 30 anos. Tanto os empréstimos, caso em moeda estrangeira, assim como os Eurobonds, carregam um risco cambial. As alternativas para o hedge cambial são limitadas e de difícil emprego no âmbito doméstico, dado o seu elevado custo e inadequação de prazos.
A criação de um fundo garantidor especial, utilizar o BNDES para o hedge cambial, e operações de swap (desenvolvidas pelo próprio licitante, ou por um núcleo estruturador para serem disponibilizadas à SPE), são formas de lidar com esse ponto. Cabe mencionar que operações de swap possuem riscos financeiros para considerar, o que implica em outros mecanismos de hedge. Outra abordagem para o risco cambial seria averiguar a distribuição de probabilidade da exposure cambial, através de uma análise de sensibilidade do modelo, fazendo uso de uma simulação Monte Carlo. Atribuindo distribuições de probabilidade a variáveis tais como, taxa de cambio, inflação, demanda de transporte, entre outras, respeitados parâmetros tais como a ADSCR, para determinar em que medida o CADS suporta o cumprimento do serviço da dívida, resultando na distribuição de probabilidade da exposure cambial, bem como da rentabilidade do projeto, cabendo à SPE decidir sobre a assunção do risco cambial.
Para as operações de syndicated loans e project bonds, a prestação de alguma garantia de parte do governo (credit enhancement), melhorando seus ratings, resultaria numa redução de suas taxas. As debêntures domésticas devem ter seu uso difundido, promovido, diversificado, terem rating, formação de mercado secundário, e possuírem uma maior maturidade, hoje de média de 10 anos, segundo estatísticas da ANDIMA, entre outras, O fomento à participação de fundos de pensão nacionais é também outra linha de ação importante. Agencias de crédito à exportação – ECAs, e o leasing são alternativas a considerar para o investimento em locomotivas e material rodante, e equipamentos e sistemas de sinalização.





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