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PPPs, incompletude e regulação contratual por resultado: um choque de cultura necessário

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    Admin Canal PPP
  • 30 de abr. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 11 de jun. de 2019

por: Renan Marcondes Facchinatto, CP3P-F

Dal Pozzo Advogados


A Lei de PPPs completará 15 anos de vigência no final deste ano de 2019 com, de acordo com dados da Radar PPP, cerca de pouco mais de 100 contratos assinados, sendo apenas um no âmbito do Governo Federal (o contrato de PPP do Data Center compartilhado pelo Banco do Brasil – BB e Caixa Econômica Federal – CEF). Os desafios envolvidos em identificar, avaliar, estruturar, licitar, contratar, gerir e reverter PPPs são inúmeros, mas um deles pode ser considerado central e está ligado ao modo tradicional de se pensar as contratações públicas de infraestrutura.


O pensamento tradicional, especialmente nos variados setores de infraestrutura, está acostumado com contratos de obra pública tradicionais, licitados com projeto elaborado previamente pela Administração ou por outro contratado, e executados, via de regra, a preço unitário. Nesse modelo contratual, naturalmente, todas as decisões sobre como especificar o projeto são tomadas pelo Poder Público, e a finalidade do contrato é a obtenção da obra pública. Também como regra, ele próprio prestará algum serviço, seja o de operação e manutenção da infraestrutura ou a disponibilização ou prestação efetiva de um serviço público a ela correlato.


Em 1995, a Lei de Concessões (Lei Federal no 8.987/95) foi editada e poderia ter já propiciado o rompimento com o pensamento tradicional, afinal, o modelo de concessão é radicalmente distinto das obras tradicionais, por transferir o risco da prestação de um serviço, tradicionalmente, um serviço público em sentido estrito, em troca de se exigir obrigações de resultado, normalmente traduzida por indicadores de desempenho que aferem o resultado, e não os meios empregados para tanto.


Porém, e com apoio de parcela considerável de juristas renomados no ramo do Direito Administrativo, tentou-se aplicar o regime da Lei de Licitações, como se, no fim, fosse possível exigir, ao mesmo tempo, resultados mais eficientes, mas com controle absoluto das decisões quanto aos meios para tanto, especialmente, especificações técnicas de engenharia – os tais “elementos do projeto básico” seriam, na verdade, o próprio projeto básico e o Poder Público deveria, então, decidir todas as especificações da obra subjacente ao serviço de infraestrutura ou serviço público correlato.


Pode-se até supor que a Lei de PPPs, em 2004, tenha dado passos relevantes, especialmente, ao dispensar um pouco mais de atenção à importância da distribuição específica e concreta dos riscos em cada contrato, mas, igualmente, persiste, ainda, o pensamento jurídico tradicional: afinal, se são contratos administrativos, então devem ser aplicadas as disposições da Lei Federal no 8.666/93, correto?


A resposta, em nosso sentir, é radicalmente negativa, justamente, por conta das duas características citadas: contratos de Concessão e de PPPs são contratos de prestação de serviço em que a atividade-fim é garantir a disponibilidade ou prestar, efetivamente, um serviço de infraestrutura ou um serviço público correlato com a transferência, como regra, do risco empresarial vinculado à obtenção de resultado (ou, em terminologia coloquial, o “lucro” – especificamente, o fluxo de caixa livre distribuído aos desenvolvedores).


Aliás, a propósito das discussões sobre os escopos dos contratos de concessão e de PPPs, note-se que, por exemplo, para o Guia de PPPs publicado em 2016 por uma coalizão de Bancos Multilaterais liderada pelo Banco Mundial, essa diferença é menos relevante – ela é uma vicissitude da tradição jurídica brasileira, que tende a omitir a relevância dos serviços de operação e manutenção da infraestrutura, como se apenas existissem os serviços públicos correlatos.


Pois bem, como obrigações de resultado que são, e, notadamente, quando são usadas com o propósito de obter eficiência (e não apenas pela motivação de alavancagem fora do balanço do governo), as PPPs e as Concessões significam, literalmente, que o Poder Público abdica de parcela significativa (para não dizer a totalidade) do poder de decidir sobre as especificações técnicas e sobre os meios pelos quais o concessionário ou parceiro privado pretende entregar o nível adequado de serviço – basicamente, os inputs contratuais.

Daí, então, a necessidade de se abandonar, tão logo quanto possível, o pensamento tradicional focado na regulação contratual por inputs, em que, por exemplo, o contratante público está preocupado com o índice de resistência à compressão do concreto ou a granulometria da brita usados na obra ou a medição de suas quantidades unitárias, para se preocupar com os indicadores-chave de desempenho (ou Key Performance Indicators – KPIs) ou no acordo de nível de serviço (ou Service Level Agreement – SLA), que consiste no resultado a ser entregue, como, por exemplo, o Índice de Gravidade Geral do Pavimento, em rodovias, ou o índice de luminância entregue pelas lâmpadas numa PPP de iluminação.


Isso é um dos pontos chave do conceito de transferência de risco: se o Poder Público concede uma infraestrutura ou serviço público correlato para obter eficiência de acordo com determinados indicadores de desempenho, mas pretende interferir ou dar a palavra final sobre todas as decisões do parceiro privado sobre como entrega-los, de duas, uma: ou se está diante de um contrato administrativo comum, e não se trata de uma infraestrutura para a qual faça sentido se falar em PPP, ou se anula, indiretamente, a transferência de risco, com o potencial danoso de se induzir o parceiro privado a descumprir índices de desempenho em função de uma decisão que lhe foi tirada em função do tal pensamento tradicional.


Ou seja, de nada adianta supor que contratos de Concessão e PPPs devam ser regidos pelas regras contratuais típicas da regulação de inputs, pelo simples fato de que o Poder Público literalmente abriu mão de todas essas decisões para focar na qualidade da entrega da infraestrutura ou do serviço público correlato. Concessões e PPPs não são obras públicas e parceiros privados não são construtores de obras públicas. Quanto antes se provocar o choque de cultura no pensamento tradicional, maiores serão as chances de que se tenha ainda mais a comemorar em termos de avanço no uso dessas poderosas ferramentas de investimento em infraestrutura cujo déficit é alarmante e requer a participação ativa de todos os interessados em contribuir para o desenvolvimento nacional.



 
 
 

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